Teste de piezocerâmicas para a detecção de trincas
Aplicações do Analisador TRZ® com o PiezoHolderObjetivo e aplicações
As cerâmicas piezoelétricas são componentes frágeis e sensíveis que podem apresentar trincas internas indetectáveis via inspeção visual. Cerâmicas com trincas, mesmo que internas e invisíveis, devem ser descartadas para evitar a falha prematura dos transdutores e conversores ultrassônicos nos quais são montadas e os consequentes prejuízos com retrabalhos e assistência técnica.
Este informativo apresenta uma metodologia prática e eficaz para a detecção de trincas em cerâmicas piezoelétricas utilizadas em transdutores e conversores ultrassônicos. Esta metodologia é uma variação da inspeção por ressonância acústica (norma ASTM-E2001) que obtém o espectro de frequências via análise da impedância, e que pode ser facilmente aplicada por fabricantes e usuários finais de cerâmicas piezoelétricas, transdutores e conversores ultrassônicos para:
- Controle de qualidade na fabricação de cerâmicas piezoelétricas;
- Inspeção de recebimento de cerâmicas piezoelétricas novas;
- Verificação de cerâmicas seminovas, que foram utilizadas na fabricação de transdutores ou conversores reprovados e desmontados;
- Teste para o reaproveitamento com segurança de cerâmica usadas, que foram recuperadas de transdutores e conversores danificados.
Introdução
A figura 1 mostra uma cerâmica piezoelétrica típica de conversores de 20 kHz para solda por ultrassom. Suas dimensões são 38,1 x 19,1 x 5,15 mm e seu material o PZT-8. Nas duas faces planas há eletrodos metálicos para a aplicação da tensão elétrica e em uma das faces há a marcação da polaridade (o positivo é indicado com o sinal “+” e/ou com um ponto “•”, que também pode estar na lateral). Estas cerâmicas são fabricadas com a prensagem e a sinterização de Titanato Zirconato de Chumbo (PZT) em pó. O PZT é encontrado em diversas variações e denominações, confirme a aplicação e o fabricante.
As cerâmicas piezoelétricas constituem o principal elemento dos transdutores e conversores ultrassônicos e são responsáveis pela conversão da energia elétrica em vibração ultrassônica e vice-versa através do efeito piezoelétrico. Trincas, mesmo que internas e de dimensão reduzida, causam aquecimento, perda de rendimento e variações na frequência do transdutor ou conversor.
A presença de trinca na cerâmica piezoelétrica compromete a simetria da deformação mecânica com a vibração e ocasiona a concentração de tensões mecânicas, que por sua vez, induzem o crescimento da trinca em um ciclo vicioso que culmina na ruptura total. Na figura 2 é comparada a deformação de um anel cerâmico íntegro com a de um anel trincado, ambos vibrando no modo radial fundamental. Na figura 3 é apresentada uma sequência ilustrativa do desenvolvimento de uma trinca interna até a ruptura da peça.
As trincas podem ocorrer nos seguintes momentos:
- Durante o processo de fabricação da cerâmica, devido a distribuição desigual de pó no molde de prensagem;
- Durante a montagem do transdutor ou conversor, devido a irregularidades da superfície, pré-compressão demasiada (>50 MPa) ou aperto brusco (>10 MPa/s);
- Durante a operação do transdutor ou conversor, devido à fadiga, sobrecarga, perda de pré-compressão, sobreaquecimento ou abertura de arco elétrico.
- Durante o transporte e a manipulação, devido à choques mecânicos e quedas.
O índice de cerâmicas novas com trincas pode ser superior à 3%, dependendo da procedência e do rigor do controle de qualidade do fabricante. Este percentual é significativo porque basta que uma cerâmica com trinca para comprometer o transdutor ou conversor ultrassônico, e normalmente os transdutores e conversores são montados com mais de uma cerâmica o que multiplica a probabilidade de problemas.
Fundamentos
Todo corpo rígido apresenta frequências de ressonância associadas a modos de vibração. No caso das cerâmicas piezoelétricas no formato de anéis e discos, as principais frequências de ressonância são aquelas associadas aos modos de vibração radial e espessura.
A figura 4 mostra a curva de impedância típica de três cerâmicas piezoelétricas comerciais comuns íntegras; note que quanto maior a cerâmica, mais baixas são as suas frequências. No caso do anel maior, de 50,8 x 19,1 x 5 mm, há uma segunda ressonância que corresponde a um harmônico do modo radial fundamental. Outras cerâmicas comerciais com dimensões aproximadas e no formato de discos apresentam o mesmo padrão.
A presença de trincas permite a ocorrência de modos de vibração e de ressonâncias adicionais, que são detectáveis empregando o Analisador TRZ® e o Software TRZ®. Nas figuras 5 e 6 são apresentadas as espectroscopias de impedância (módulo da impedância em função da frequência / curva |Z(f)|) de duas cerâmicas piezoelétricas similares, estando uma delas íntegra (figura 5) e a outra trincada (figura 6).
O julgamento do resultado é simples e imediato: não deve haver múltiplas ressonâncias (que decorrem dos modos de vibração adicionais permitidos pela trinca) e deve haver no máximo dois modos de vibração na faixa de frequência de 10 a 180 kHz para cerâmicas com diâmetro externo entre 20 e 60 mm. A cerâmica íntegra (figura 5) apresenta apenas um modo de vibração (destacado em azul) enquanto a cerâmica trincada (figura 6) apresenta vários modos de vibração adicionas, além do modo de vibração principal.
Metodologia
A metodologia para o teste de cerâmicas piezoelétricas para a detecção de trincas é muito simples, basta seguir o passo-a-passo a seguir:
Passo 1 - Utilize o Analisador TRZ® e o suporte de cerâmicas PiezoHolder
Utilize o Analisador TRZ® em conjunto o Software TRZ® (versão 7.0 ou superior) e o suporte de cerâmicas PiezoHolder (figura 7). Selecione a opção “Piezos” no Software (figura 8), nesta pré-configuração o conjunto Analisador e Software TRZ® irá realizar uma varredura de 10 a 200 kHz.
Passo 2 – Insira a cerâmica no PiezoHolder
Insira a cerâmica piezoelétrica no PiezoHolder (figura 9). Este acessório é capaz de testar cerâmicas na geometria de discos e anéis com espessura entre 0 e 19 mm e diâmetro entre 15 e 100 mm. A polaridade não é relevante.
Passo 3 - Realize a medição e a análise
Realize a medição clicando no botão “Play” (figura 10) ou com o comando Crtl-N e, na sequência, verifique se a curva obtida é suave ou possui perturbações de baixa amplitude (veja figuras 5 e 6). Se forem detectados modos espúrios, a cerâmica piezoelétrica está trincada e deve ser descartada. A presença da trinca pode ser confirmada com ensaios não-destrutivos via ultrassom (pulso-eco).
Observação importante: Esta metodologia não é sensível à lascados nos cantos das cerâmicas. Cerâmicas com este tipo de defeito devem ser descartadas mesmo que não estejam trincadas.
Exemplos
A tabela 1 mostra o resultado detalhado da caracterização de uma cerâmica nova e íntegra, de uma cerâmica nova com trinca interna, de uma cerâmica usada com trinca interna e de uma cerâmica nova com defeito indeterminado. Note que o padrão das ressonâncias adicionais, que indicam a presença da trinca, varia caso a caso.
A inspeção visual das cerâmicas foi realizada com um lupa com amplificação de 8x. As superfícies da cerâmica usada foram lixadas com bucha abrasiva de grana 1500 e limpas com solvente para a remoção de sujidades que poderiam eventualmente impedir a visualização da trinca.
Tabela 1 – Exemplo de testes de cerâmica íntegra, com trinca interna e outros defeitos.Descrição | Curva obtida com o Analisador TRZ® | Observações |
Cerâmica nova e íntegra | Esta cerâmica nova foi aprovada porque não há ressonâncias adicionais e porque ocorreu uma ressonância principal bem definida. Curiosidade: o logo da ATCP Engenharia Física foi inspirado por este padrão de curva | Cerâmica nova com trinca interna | Esta cerâmica nova foi reprovada porque foram detectadas múltiplas ressonâncias adicionais. A presença de trinca foi confirmada com o método de ensaio não destrutivo por ultrassom para detecção de descontinuidades. |
Cerâmica usada com trinca interna | Esta cerâmica usada foi reprovada porque há múltiplas ressonâncias adicionais além de perturbações na ressonância principal. A presença de trinca foi confirmada com o método de ensaio não destrutivo por ultrassom para detecção de descontinuidades. | |
Cerâmica nova com defeito indeterminado | Esta cerâmica nova foi reprovada porque há uma perturbação na ressonância principal, entretanto não foi possível detectar a presença de trinca com o método de ensaio não destrutivo por ultrassom. O defeito que gerou esta perturbação pode ser uma inomogeneidade na densidade o material. |
Nestes casos as ressonâncias adicionais são mais acentuadas, mas não muito diferentes das ressonâncias adicionais observadas nas cerâmicas com trinca interna (vide curvas da tabela 1).
Tabela 2 – Exemplo de teste de cerâmica usada com trinca visível e de cerâmica quebrada (situações extremas nas quais a inspeção visual é suficiente).Descrição | Curva obtida c/o Analisador TRZ® | Observações |
Cerâmica usada com trinca externa/visível | Esta cerâmica usada foi reprovada porque apresenta trinca visível, além de múltiplas ressonâncias adicionais. | |
Cerâmica usada quebrada e com segmento faltando. | A apresentação do teste desta cerâmica quebrada e faltando um pedaço visa apenas ilustrar a aplicação da metodologia em uma situação extrema. |
Recuperação e reutilização de cerâmicas piezoelétricas
A ruptura das cerâmicas é a principal causa de falha dos transdutores e conversores. A figura 4 mostra o exemplo um conversor de 35 kHz danificado com destaque para a cerâmica piezoelétrica rompida. Entretanto, nem todas as cerâmicas de um transdutor danificado estão necessariamente comprometidas e podem ser reaproveitadas visando a redução de custos de manutenção, principalmente quando se trata de falhas prematuras durante testes de fabricação. Para isso, é necessária uma metodologia que garanta a ausência de trincas nas cerâmicas que serão reutilizadas.
No caso de transdutores e conversores que falharam após um longo período de uso, é muito provável as cerâmicas intactas apresentem uma vida útil reduzida e eventuais alterações nas constantes piezoelétricas, entretanto isso não impede que estas cerâmicas também sejam reutilizadas com sucesso.
Para recuperar cerâmicas usadas, além do teste para a detecção de trincas, é necessário remover o verniz isolante ou resina epóxi que possa estar eventualmente presente nas laterais da cerâmica. Também é recomendável lixar levemente os eletrodos da cerâmicas com uma bucha abrasiva de grana 2500 ou superior para eliminar marcas e sujidades. É importante cuidar para que o lixamento não seja excessivo e remova o eletrodo